A implantação da República
À 1h da madrugada do dia 4 de Outubro de 1910, um grupo de militares e civis armados comandados pelo tenente da armada Machado dos Santos, assaltou o Quartel de Infantaria 16, em campo de Ourique. Ao mesmo tempo o directório do Partido Republicano Português e o Comité Revolucionário reuniam-se nos Banhos de S.Paulo, em Alcântara, e as tripulações dos cruzadores Adamastor e S. Rafael revoltavam-se e tomavam conta dos navios, fundeados no Tejo. Assim, se deu inicio à revolução republicana. Às 9h do dia seguinte, 5 de Outubro, é proclamada a República, da varanda dos Paços do Concelho, por José Relvas, acompanhado por Eusébio Leão e Inocêncio Camacho.
Teófilo Braga assumiu a chefia do Governo Provisório (e da República) composto pelos grandes nomes republicanos: Afonso Costa, António José de Almeida, Bernardino Machado e Brito Camacho. As prioridades do Executivo eram, no plano interno, a consolidação do novo regime e, no plano externo, o reconhecimento internacional da República. Face a uma Europa conservadora e predominantemente monárquica, a República Portuguesa teve como grande preocupação, numa primeira instância, manter a ordem e a tolerância social. Pretendia-se a imagem de uma República ordeira e responsável.
A nova ordem republicana
Consumada a mudança de regime era tempo de substituir o velho pelo novo. Sem operar grandes modificações no plano económico e social, a República desencadeou principalmente um processo de modernização cultural e a laicização das mentalidades, assente em valores burgueses.
Para consolidar a nova ordem republicana, o regime adoptou uma nova simbologia: uma nova Bandeira Nacional (é adoptada a nova Bandeira Nacional, verde e encarnada com o escudo sobre a esfera armilar no centro, em 30 de Junho de 1911), um novo Hino (a Portuguesa é adoptada como Hino Nacional pela Constituinte, em 9 de Junho de 1911) e uma nova moeda (por decreto datado de 22 de Maio de 1911) – o Escudo substitui o Real.
Mas se a Bandeira e o Hino mudaram quase de imediato, a moeda monárquica resistiu até muito tarde, só saindo totalmente de circulação quase uma vintena de anos depois, em 1929.
A criação do Escudo
Por decreto do Governo Provisório de 22 de Maio de 1911, sendo José Relvas ministro das Finanças, o Escudo-Ouro, substituiu os 1 000 Réis, como unidade monetária de Portugal.
A medida teve em vista colocar a unidade monetária portuguesa ao mesmo nível das dos outros países e evitar as desvantagens práticas da exiguidade da moeda, então muito depreciada, que vinha do antecedente Real.
O decreto com força de lei de 22 de Maio de 1911 justificava assim a remodelação do sistema monetário: “A nossa unidade monetária, o Real, tem um valor muito pequeno, nada parecido com os valores das unidades monetárias dos diversos países, geralmente iguais ou superiores a um franco. Desta circunstância resulta ser necessário empregar um grande número de algarismos para representar na escrita uma quantia, mesmo relativamente pouco importante” (…)
Nestes termos o governo da República Portuguesa “faz saber que em nome da República se decretou para valer como Lei, o seguinte:
Artigo 1º, Em todo o território da República, com excepção da Índia, a unidade monetária é o Escudo ouro, que conterá o mesmo peso de ouro fino que a actual moeda de 1$000 Réis em ouro. Desta sorte, a razão de equivalência do actual sistema monetário e do novo sistema, será de 1$ooo Réis, ouro, por um Escudo” (…). O Escudo, segundo o diploma, “dividir-se-á em cem partes iguais, denominadas centavos, correspondendo assim um centavo a dez Réis do actual sistema monetário” (…) “Serão cunhadas e emitidas moedas em prata dos valores legais de um Escudo, cinquenta, vinte e dez centavos”, assinado por José Relvas.
Nesta altura vigorava em Portugal o sistema de monometalismo-ouro (só as moedas desse metal tinham poder liberatório ilimitado e um peso adequado ao seu valor facial), introduzido em Portugal em 1854, no reinado de D. Pedro V, correspondendo, assim, ao escudo-ouro da I República um determinado peso de ouro fino: 1,62585g. Demasiado pequena para ser amoedada nesse metal como espécie efectiva, a primeira moeda de escudo circulou em corpo de prata até 1920, ano em que a desvalorização do escudo-papel a fez desaparecer de circulação.
Segundo o preâmbulo do diploma, encontravam-se, então, em circulação cerca de 34 400 contos de moedas de prata e 3 900 contos de moedas de cupro-níquel e de bronze.
O mesmo diploma que instituiu a nova moeda mandou substituir as moedas-metálicas em uso da monarquia por 35 500 contos de moedas de prata de 1$00, $50, $20 e $10 centavos e por 3 750 contos de bronze-níquel de $04, $02, $01 e $005.
Esse plano de substituição da moeda metálica nunca foi integralmente cumprido, apesar de as primeiras cunhagens do regime datarem de 1912. Como curiosidade, adiante-se que foi para a Índia que se cunharam as primeiras moedas republicanas. Embora a unidade monetária desse território (Rupia) não tivesse então sofrido alteração, as novas moedas apresentavam numa das faces o seu valor e na outra a efígie da República com os dizeres “República Portuguesa – 1912” (figura 1).
- 1914-1916: prata 900/1000; diam. 37 mm; peso 25g;
- 1924-1926: bronze-alumínio; diam. 26,8mm; peso 8g;
- 1927-1968: alpaca; diam. 26,8 mm; peso 8g;
- 1969-1979: bronze; diam. 26 mm; peso 8g;
- 1981-1986: latão-níquel; diam. 18 mm; peso 3g;
- 1986-2002: latão-níquel; diam. 16 mm; peso 1,7g.
MENDES, José Fragoso; Memória do Escudo, as notas e moedas portuguesas do século vinte; Prosafeita, Lda; 2005
MENDES, M.A.R.; Anuário de Numismática, 2002/2003; Publinummus, Lda; 2002
VÁRIOS; Revista Visão, suplemento Visão História, nº10; Setembro 2010
VÁRIOS; Revista Quero Saber; Goody, SA; Setembro 2010
Internet
História do escudo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-09-23].
Disponível na www:
Dificuldade para o Escudo se impor
Há data da proclamação da República encontravam-se em circulação notas do Banco de Portugal com valores faciais de 500, 1000, 2 500, 5 000, 10 000, 20 000, 50 000 e 100 000 réis. E só muito lentamente foram saindo de circulação já que o Banco de Portugal apenas as alterou apondo-lhes sobre a Coroa Real a sobrecarga República (figura 6).
Com um lento processo de substituição, grande parte delas assim continuou até 1929, altura em que os réis acabaram por sair de circulação.
Até 1917 apenas foram emitidos cerca de 13 mil contos de novas moedas de prata, ao mesmo tempo que se recolhia uma quantidade aproximadamente igual de moedas antigas do mesmo metal.
A primeira nota emitida em Escudos, datada de 13 de Julho de 1913, resultou da alteração da chapa já gravada, destinada à nota de 5 mil Réis, que passou a apresentar o valor facial de 5 Escudos-ouro Chapa 1. Essa nota, em que figurava Alexandre Herculano, entrou em circulação em 1914 e foi retirada em 1931. (figura 7)
Como curiosidade, deve referir-se que algumas datas de notas em Réis foram emitidas em pleno regime republicano, tendo-lhes sido, no entanto, aposta a sobrecarga ”República”: 2500 Réis, chapa 4, datada de 27 de Junho de 1919 e 20 000 Réis, chapa 9, datada de 30 de Março de 1912. (figura 8)